segunda-feira, 30 de março de 2020

LÍNGUA PORTUGUESA - ATIVIDADE/ROMANCE - 3ºA e B

DATA: 30/03/2020

APÓS RESPONDER AS ATIVIDADES NO CADERNO, RESPONDER O FORMULÁRIO


link: FORMULÁRIO DE RESPOSTA - 30/03


ATIVIDADE SOBRE O FRAGMENTO DO ROMANCE DE RAQUEL DE QUEIRÓS O QUINZE

 

ROMANCE: O QUINZE I - FRAGMENTO - RACHEL DE QUEIROZ - COM QUESTÕES GABARITADAS


Romance: O Quinze I – Fragmento




Rachel de Queiroz


        Eles tinham saído na véspera, de manhã, da Canoa.
        Eram duas horas da tarde.
        Cordulina, que vinha quase cambaleando, sentou-se numa pedra e falou, numa voz quebrada e penosa:
        -- Chico, eu não posso mais... Acho até que vou morrer. Dá-me aquela zoeira na cabeça!  
        Chico Bento olhou dolorosamente a mulher. O cabelo, em falripas sujas, como que gasto, acabado, caia, por cima do rosto, envesgando os olhos, roçando na boca. A pele, empretecida como uma casca, pregueava nos braços e nos peitos, que o casaco e a camisa rasgada descobriam.
        (...)
        No colo da mulher, o Duquinha, também só osso e pele, levava, com um gemido abafado, a mãozinha imunda, de dedos ressequidos, aos pobres olhos doentes.
        E com a outra tateava o peito da mãe, mas num movimento tão fraco e tão triste que era mais uma tentativa do que um gesto.
        Lentamente o vaqueiro voltou as costas; cabisbaixo, o Pedro o seguiu.
        E foram andando à toa, devagarinho, costeando a margem da caatinga.
        (...)
        De repente, um bé!, agudo e longo, estridulou na calma.
        E uma cabra ruiva, nambi, de focinho quase preto, estendeu a cabeça por entre a orla de galhos secos do caminho, aguçando os rudimentos de orelha, evidentemente procurando ouvir, naquela distensão de sentidos, uma longínqua resposta a seu apelo.
        Chico Bento, perto, olhava-a, com as mãos trêmulas, a garganta áspera, os olhos afogueados.
        O animal soltou novamente o seu clamor aflito.
        Cauteloso, o vaqueiro avançou um passo.
        E de súbito em três pancadas secas, rápidas, o seu cacete de jucá zuniu; a cabra entonteceu, amunhecou, e caiu em cheio por terra.
        Chico Bento tirou do cinto a faca, que de tão velha e tão gasta nunca achara quem lhe desse um tostão por ela.
        Abriu no animal um corte que foi de debaixo da boca até separar ao meio o úbere branco de tetas secas, escorridas.
        Rapidamente iniciou a esfolação. A faca afiada corria entre a carne e o couro. Na pressa, arrancava aqui pedaços de lombo, afinava ali a pele, deixando-a quase transparente. Mas Chico Bento cortava, cortava sempre, com um movimento febril de mãos, enquanto Pedro, comovido e ansioso, ia segurando o couro descarnado. Afinal, toda a pele destacada estirou-se no chão. E o vaqueiro, batendo com o cacete no cabo da faca, abriu ao meio a criação morta.
        Mas Pedro, que fitava a estrada, o interrompeu:
        -- Olha, pai!
        Um homem de mescla azul vinha para eles em grandes passadas. Agitava os braços em fúria, aos berros:
        -- Cachorro! Ladrão! Matar minha cabrinha! Desgraçado!
        Chico Bento, tonto, desnorteado, deixou a faca cair e, ainda de cócoras, tartamudeava explicações confusas.
        O homem avançou, arrebatou-lhe a cabra e procurou enrolá-la no couro.
        Dentro da sua perturbação, Chico Bento compreendeu apenas que lhe tomavam aquela carne em que seus olhos famintos já se regalavam, da qual suas mãos febris já tinham sentido o calor confortante.
        E lhe veio agudamente à lembrança Cordulina exânime na pedra da estrada... o Duquinha tão morto que já nem chorava...
        Caindo quase de joelhos, com os olhos vermelhos cheios de lágrimas que lhe corriam pela face áspera, suplicou, de mãos juntas:
        -- Meu senhor, pelo amor de Deus! Me deixe um pedaço de carne, um taquinho ao menos, que dê um caldo para a mulher mais os meninos! Foi pra eles que eu matei! já caíram com a fome! ...
        -- Não dou nada! Ladrão! Sem-vergonha! Cabra sem-vergonha!
        A energia abatida do vaqueiro não se estimulou nem mesmo diante daquela palavra.
        Antes se abateu mais, e ele ficou na mesma atitude de súplica.
        E o homem disse afinal, num gesto brusco, arrancando as tripas da criação e atirando-as para o vaqueiro:
        -- Tome! Só se for isto! A um diabo que faz uma desgraça como você fez, dar-se tripas é até demais! ...
        A faca brilhava no chão, ainda ensanguentada, e atraiu os olhos de Chico Bento.
        Veio-lhe um ímpeto de brandi-la e ir disputar a presa, mas foi ímpeto confuso e rápido. Ao gesto de estender a mão, faltou-lhe o ânimo.
        O homem, sem se importar com o sangue, pusera no ombro o animal sumariamente envolvido no couro e marchava para a casa cujo telhado vermelhava, lá além.
        Pedro, sem perder tempo, apanhou o fato que ficara no chão e correu para a mãe.
        Chico Bento ainda esteve uns momentos na mesma postura, ajoelhado.
        E antes de se erguer, chupou os dedos sujos de sangue, que lhe deixaram na boca um gosto amargo de vida.

            O Quinze, Rachel de Queiroz. Rio de Janeiro: J. Olympio, s.d. p. 72-5.
Glossário do texto


·        Brandir: agitar de modo repetido e ameaçador.
·        Estridulou: soou agudo e penetrante.
·        Exânime: desfalecido.
·        Falripas: cabelos muito ralos na cabeça.
·        Jucá: pau-ferro.
                         ·        Orla: borda, beira, margem

01 – Chico Bento e sua família são retirantes. Qual é a condição física deles no momento retratado pelo texto? Comprove sua resposta com trechos do texto.
      
02 – Chico Bento, antes da seca, não era vagabundo nem bandido; era um trabalhador rural. Levante hipóteses:
a)   Como deve ter se sentido ao ser xingado pelo proprietário da cabra?

a)    Por que não reagiu aos insultos?

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