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DOS CINCO SENTIDOS NA ARTE
Na tradição ocidental, artes como a música, a pintura
e a literatura se desenvolveram mais do que outras como a gastronomia e a
perfumaria. Eis uma hipótese sobre o motivo para tal.
“Todo
o material da arte repousa sobre uma abstração: a escultura, p.ex., desdenha o
movimento e a cor; a pintura desdenha a terceira dimensão e o movimento
portanto; a música desdenha tudo quanto não seja o som; a poesia baseia-se na
palavra, que é a abstração suprema, e por essência, porque não conserva nada do
mundo exterior, porque o som — acessório da palavra — tem valor senão associado
— por impercebida que seja a associação. A arte, portanto, tendo sempre por
base uma abstração da realidade, tenta reaver a realidade idealizando. Na
proporção da abstração do seu material está a proporção em que é preciso
idealizar. E a arte em que mais é preciso idealizar é a maior das artes” (Fernando
Pessoa - Páginas de estética e de teoria e crítica literárias).
Coisa inegável é que a arte está
relacionada aos sentidos, de maneira direta, fazendo uso deles, ou indireta,
fazendo referência a eles. É curioso, portanto, que as artes que mais tenham se
desenvolvido como linguagem sejam aquelas que usam a visão ou a audição,
enquanto aquelas do tato, paladar e olfato não tenham alcançado o mesmo
desenvolvimento. Um dos motivos para isso talvez seja o fato de a visão ser o
sentido mais imediato para o ser humano. Mas isso não explicaria a audição, que
na hierarquia dos sentidos é o terceiro.
O paladar e o olfato são sentidos nos
quais predomina a noção de agradável/desagradável — independente de julgamentos
morais ou estéticos, nós logo sentimos que um sabor ou um cheiro é agradável ou
não. O tato é mais complexo, mas é possível dizer que ele é intrinsecamente
sensível à dor e ao prazer e a várias outras sensações (como cócegas). Já à
visão não há nada que seja agradável à priori, sem a necessidade de
interpretação, não existe uma visão que traga um prazer semelhante ao de um
sabor, os prazeres causados pela visão precisam necessariamente passar pela
interpretação, pelo julgamento. Tampouco a audição — não existe um som que
acaricie o ouvido como um cheiro agrada ao nariz, o som é agradável apenas à
medida em que é reconhecido e apresenta um significado (que pode ser sua própria
estrutura, como na música).
É então que recorro à citação de Pessoa:
não terão essas artes do ouvido e da visão se desenvolvido como linguagem mais
do que as do tato, olfato e paladar, pelo fato de usarem sentidos que tem menos
valor por si só, isto é, que precisam passar pelo intelecto?
A gastronomia, por exemplo, não teria se
desenvolvido muito mais se ao invés de sentirmos prazer pelo gosto da comida,
sentíssemos por perceber o que o cozinheiro quis dizer através dela? A arte dos
perfumes não teria uma linguagem mais vasta se os cheiros ruins fossem
considerados como tal apenas de maneira moral ao invés da maneira fisiológica
como os percebemos? É verdade que essas duas artes guardam sim algo de linguagem,
mas é de forma muito pouco desenvolvida em comparação à pintura, escultura,
literatura, cinema, música e outras artes.
O poeta Glauco Mattoso, no entanto, me
desmente:
Soneto dos eflúvios
De todos os sentidos, é o olfato
sutil por excelência: de mistura
estão vários odores, e a figura
do cheiro bom ou mau é caso abstrato.
Perfume ou fedentina? Desempato
apenas pelo senso, que perdura,
do nojo sugerido, o qual censura
um hálito, a carniça, o lixo, o flato.
Quem disse que uma flor exala o aroma
mais "doce" ou que uma fruta a "azul" recende?
Por que o chulé "tresanda" quando assoma?
Tão só de opinião tudo depende:
se fungo não é coisa que se coma,
como é que há quem meu queijo recomende?
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